SAÚDE PÚBLICA NA VEIA - o que é bom e o que é assustador
Sempre digo que me sinto privilegiada por ter tido meu tratamento pelo plano de saúde. Mas, minha mãe não teve a mesma sorte. O plano de saúde dos meus pais foi cancelado, por eles, há muitos anos. Recentemente, meu irmão fez um plano para minha mãe, porém, quando ela mais precisou o que aconteceu?
Minha mãe, de 78 anos, há pouco mais de um mês começou a sentir dores abdominais muito fortes. Eu a levei a uma consulta particular com uma gastroenterologista clínica, que se mostrou uma médica competente e um ser humano maravilhoso. Na consulta com a Dra. Juliana Arraes Guerra ( vou escrever mais sobre ela em outro post), minha mãe relatou as dores intensas que, segundo ela, superavam as dores de parto.
A Dra. Juliana pediu uma endoscopia e já adiantou que talvez fossem necessários novos exames para investigar as causas.
A endoscopia não mostrou nada grave além do que poderia ser considerado, no máximo, uma gastrite. Quem fez o exame foi o Dr.Guilherme Gomes, médico maravilhoso, humano, que já havia realizado um procedimento em meu pai, em novembro do ano passado, para retirada de um tumor no intestino.
A Dra. Juliane pediu que observássemos pois, talvez, se as dores persistissem, teríamos de investigar mais. Em menos de uma semana, minha mãe estava na emergência do Hospital da Cruz Vermelha. Depois de muitos exames, os médicos disseram que ela precisava ser internada.
Minha irmã a estava acompanhando naquele momento e me ligou dizendo que o plano não iria cobrir o internamento porque a carência ainda não tinha sido cumprida. O que fazer? O hospital fez um desconto importante e eu disse a ela que internasse, claro!
PRIMEIRO ERRO: o plano de saúde num caso como esse, segundo norma da ANS, é obrigado a conseguir vaga no SUS e a fazer a remoção do paciente.
A nosso pedido, o hospital colocou o nome de minha mãe na Central de Leitos em busca de uma vaga pelo sistema público de saúde. Três dias de internamento particular, muitas preocupações com o estado da minha mãe e com o preço de mantê-la como merecia, bem atendida! principalmente porque o caso dela era cirúrgico e certamente precisaria de UTI, custos altos para qualquer um.
Internou particular numa sexta, conseguiu vaga pelo SUS numa terça à noite, com diagnóstico de isquemia mesentérica. Pra traduzir isso pra vocês, podemos dizer o seguinte: não chega sangue suficiente ao intestino, com isso pouco oxigênio, o que causa sofrimento à musculatura, ocasionando dores fortíssimas!

Foto do Dia das Mães de 2017
Minha mãe foi transferida para Santa Casa de Curitiba. Respiramos aliviados, uma vez que aquele hospital era considerado referência em cirurgia vascular, especialidade que ela precisava.
Mas... sempre o "mas"... ela foi deixada por mais de seis horas aguardando atendimento, mesmo sendo idosa, mesmo com dores forte e mesmo sendo transferida pela Central...
SEGUNDO ERRO: Semanas depois vim a saber que isso é irregular. Uma vez que foi transferida pela Central de Leitos deveria ter sido avaliada e internada rapidamente. Aí, a gente se pergunta... por que os seres humanos fazem isso a outros seres humanos numa situação tão delicada?
Minha mãe chegou por volta de 19h20 à Santa casa, mas só foi levada para uma enfermaria perto de 1h30 da manhã.
Quando o dia amanheceu, passou uma residente da cirurgia cardiológica que disse não ser com ela o caso de minha mãe. Um residente da cirurgia geral foi acionado. Mas o caso também não era com ele. Finalmente, uma residente da cirurgia vascular foi chamada. Nessa altura, eu tinha ido substituir minha irmã e tive que resumir o caso da minha mãe, com meu entendimento totalmente leigo, para as três equipes.
TERCEIRO ERRO: parece que ninguém leu o resumo do internamento anterior.
Quando um paciente é transferido não segue junto um histórico do caso dele???
A Dona Lola, minha mãe, é fumante, diabética, hipertensa, já teve problemas cardiológicos e de circulação. A residente em cirugia vascular quis saber mais sobre o caso. Na quarta-feira minha irmã foi buscar o disco com o resultado de um exame de imagem feito no Cruz Vermelha, para a médica pudesse avaliar melhor o caso. Na quinta feira, fim do dia, ela informou que minha mãe seria operada no dia seguinte para desobstruir as duas artérias mais afetadas pela isquemia.
DÚVIDA: até então o caso não havia sido tratado como urgência ali. Mesmo assim, minha mãe não passou por consulta com anestesista e nem fez avaliação cardiológica.
Neste meio tempo, a enfermaria lotou. Duas pacientes que saíram da UTI por problemas cardíacos e uma paciente com um câncer avançado se juntaram à minha mãe e à mais uma senhora. Enfermaria lotada.
Naquele dia não teve limpeza do quarto!!!!!!!!!!!!!!!!
A paciente oncológica, que todos da área da saúde sabem, tinha os vasos afetados pela quimioterapia, chorava e gritava a cada tentativa de colocar o acesso. Segundo o relato da minha irmã, foram muitas picadas sem sucesso. Todas ali, pacientes e técnicas de enfermagem estavam nervosas. As pacientes começaram a sair do quarto po não suportarem ver o sofrimento da mulher, já num estado de saúde muito delicado.
Até que minha irmã pediu alguém da Neonatal (nem sabemos se tem maternidade lá), pois sabia que comigo essas profissionais costumam ter sucesso na hora de achar um vaso que aguente o acesso. Finalmente chamaram uma enfermeira da UTI, e essa pessoa teve sucesso, Graças a Deus!
Fiquei indignada com essa história e entrei em contato com a Ouvidoria, sem dizer que minha mãe era uma das pacientes do quarto. Mas, me identifiquei como jornalista deste Blog e avisei que já tinha feito isso em outras ocasiões e avisei que se nada fosse feito eu faria o papel de assessora de impressa das pacientes.
Em menos de duas horas a mulher foi levada para o setor de oncologia, onde teria atendimento mais apropriado. Uma paciente foi para outro setor e minha mãe, a quem sequer me referi, foi transferida para um dos quartos vazios daquela mesma ala (era dois vazios...).
MINHA INDIGNAÇÃO: interessante como de repente surgiram possibilidades de melhor atendimento para aquelas pessoas...
No dia seguinte, lá estava minha mãe... pronta para o procedimento às 6h00 da manhã.
Eu e minha irmã ansiosas aguardamos na área de espera. Antes das 10h00, o cirurgião veio nos dizer que precisou interromper o procedimento porque ela estava muito agitada e reclamando de dores. "Mas este procedimento não causa dores", disse ele. Enfim, nada havia mudado no quadro doloroso que minha mãe apresentava.
SENTIMENTO DE CULPA: Ao longo daquele dia, relatei às enfermeiras que ela estava muito confusa e com algumas dificuldades, como descer da cama. Todas disseram ser normal. No entanto, mais tarde, depois que fui embora, ela teve uma crise e ficou até agressiva. Minha irmã exigiu a presença de um médico ( só a equipe de enfermagem aparecia à tarde). Depois de uma tomografia, soubemos que minha mãe teve um AVC... e que, se tivesse sido diagnosticado até três horas depois, poderia ter minimizado as seqüelas decorrentes do derrame.
Minha mãe passou a noite num Centro de Diagnóstico onde disseram queseria monitorada. E onde uma médica disse à minha irmã que um derrame poderia sim ser um "efeito colateral" do procedimento.
E eu, minha gente... eu me senti profundamente culpada por não ter exigido uma avaliação médica antes...me culpei por não tido voz ou ação diante do quadro que minha mãe apresentava. Pensar nisso me causou muita dor, muita mesmo! Eu que sou fortona, só sabia chorar. Isso durou até a segunda-feira quando o cirurgião admitiu que o motivo da agitação e da dor que minha mãe apresentou, certamente fora por conta do AVC.
ELE NÃO INVESTIGOU, ELE NÃO SUSPEITOU dos sintomas, mesmo sendo especialista em questões vasculares. Como eu poderia saber? ao longo daquele dia, falei com as técnicas de enfermagem sobre ela estar muito estranha, ver coisas, sentir dores que não sabia identificar o local, por chamar meu pai e achar que estava em casa!
No dia seguinte ao derrame ( sábado) ela foi transferida para a UTI.
Uma nova residente assumiu o caso da minha mãe e minha irmã teve de relatar todo o caso a ela, desde o início.
O resumo foi: minha mãe entrou no hospital lúcida, caminhando e com a recomendação de um procedimento para "desentupir" uma das artérias que estavam obstruídas. Naquele momento ela estava tendo alucinações, não caminhava nem um passo sozinha, e continuava com o problema que a levou ao hospital sem solução.
Fui para lá e também conversei com a médica e depois com o médico intensivista (o da UTI). Muito atencioso e interessado, ele sequer sabia que minha mãe estava internada naquele hospital desde a terça-feira. Muito menos que havia passado por uma intervenção mal sucedida.
A sequência, conto no próximo post. Terei muitos exemplos para contar, eu e minha irmã testemunhamos situações envolvendo outras pacientes e com a nossa mãe. Vivemos um pesadelo até chegarmos a um outro local, onde se vê que é possível, mesmo pelo SUS, oferecer qualidade e dignidade no atendimento!